Um giro ao sol,ciranda poética

sábado, 27 de agosto de 2011

Poema do Menino Jesus - Fernando Pessoa

O POEMA DO MENINO JESUS, DE FERNANDO PESSOA - CODIFICADO COMO ALBERTO CAEIRO 

Num meio-dia de fim de primavera
Eu tive um sonho como uma fotografia

Eu vi Jesus Cristo voltar à terra.

Veio pela encosta de um monte.

E era a eterna criança, o Deus que faltava.

Tornando-se outra vez menino,

A correr e a rolar pela relva

E a arrancar flores para deitar fora.

E a rir de modo a ouvir-se de longe.

Tinha fugido do céu.

Era nosso demais para fingir desegunda pessoa da Trindade.

Um dia, que Deus estava dormindo

e que o Espírito Santo andava a voar

Ele foi até a caixa dos milagres e roubou três.

Com o primeiro, ele fez com que ninguém soubesse que ele tinha fugido.

Com o segundo, ele criou-se eternamente humano e menino.

E com o terceiro ele criou um Cristo
e o deixou pregado numa cruz que serve de modelo às outras.

Depois ele fugiu para o sol

e desceu pelo primeiro raio que apanhou.

Hoje ele vive comigo na minha aldeia

e mora na minha casa em meio ao outeiro.

É uma criança bonita, de riso e natural.

Atira pedra aos burros.

Rouba a fruta dos pomares.

E foge a chorar e a gritar com os cães.

Nem sequer o deixaram ter pai e mãe

como as outras crianças.

Seu pai eram duas pessoas: um velho carpinteiro

e uma pomba estúpida, a única pomba feia do mundo.

E sua mãe não tinha amado antes de o ter.

Não era mulher, era uma mala
em que ele tinha vindo do céu.

E queriam que justamente ele pregasse o amor e a justiça.

Ele é apenas humano,

limpa o nariz com o braço direito,

chapina as possas d'água;
colhe as flores, gosta delas,

esquece-as.

E porque sabe que elas não gostam
e que toda a gente acha graça,

ele corre atrás das raparigas
que carregam as bilhas na cabeça e levanta-lhes as sáias.

A mim, ele me ensinou tudo.

Ensinou-me a olhar para as coisas.

Aponta-me todas as belezas que há nas flores.

E mostra-me como as pedras são engraçadas

quando a gente as tem nas mãos e olha devagar para elas.

Ensinou-me a gostar dos reis e dos que não são reis.

E tem pena de ouvir falar das guerras e dos comércios.

Diz-me muito mal de Deus.

Diz que ele é um velho estúpido e doente.

Sempre a escarrar no chão e a dizer indecências.

E que a Virgem Maria leva as tardes da eternidade a fazer meias.

E o Espírito Santo coça-se com o bico;

empoleira nas cadeiras e suja-as.

Tudo no céu é tão estúpido como nas Igrejas.

Diz-me que Deus não percebe nada das coisas
que criou - do que duvido.

"Ele diz por exemplo que os seres cantam sua glória.

Mas os seres não cantam nada
se cantassem, seriam cantores.

Eles apenas existem e por isso são seres..."

Ele é o humano que é o natural.

Ele é o divino que sorri e que brinca.

E é por isso que eu sei com toda certeza que ele é o Menino Jesus verdadeiro.

E depois, cansado de dizer mal de Deus

ele adormece nos meus braços.

E eu o levo ao colo para minha casa.

Damo-nos tão bem na companhia de tudo

que nunca pensamos um no outro.

Mas vivemos juntos os dois

com um acordo íntimo,

como a mã0 direita e a esquerda.

Ao anoitecer, nós brincamos nas cinco pedrinhas do degrau da porta de casa.

Graves, como convêm a um deus e a um poeta.

É como se cada pedra fosse um universo

e fosse por isso um grande perigo deixá-la cair no chão.

Depois ele adormece.

E eu o deito na minha cama despindo-o lentamente

seguindo um ritual muito limpo, humano e materno até ele ficar nu.

E ele dorme dentro da minha alma.

Às vezes ele acorda de noite e brinca com os meus sonhos.

Vira uns de perna para o ar.

Põe uns encima dos outros.

E bate palmas sozinho sorrindo para o meu sono.

Quando eu morrer, filhinho, seja eu a criança, o mais pequeno.

Pega-me tu ao colo.

E leva-me para dentro da tua casa.

E deita-me na tua cama.

E conta-me histórias, caso eu acorde, para eu tornar a adormecer.

E dá-me os sonhos teus para eu brincar...


(Alberto Caeiro)

 

terça-feira, 23 de agosto de 2011

A beleza de DEUS

" Rezam meus olhos quando contemplo a beleza.
A beleza é a sombra de Deus no mundo."

(Helena Kolody)




" Se desejas que Deus te seja agradável,
Olha então para Ele com os olhos daqueles que O amam.
Não olhes para essa beleza com teus próprios olhos,
Olha para esse objeto de desejo com os olhos dos Seus devotos;
Fecha os próprios olhos para não contemplarem esse doce objeto,
E toma emprestado os olhos de Seus admiradores;
Mais ainda, toma emprestado d'ele os olhos e a visão,
E com esses olhos, olha para Sua face,
Para que não fiques desapontado com a visão.
Deus diz : " Quanto àquele que é de Deus, Deus também é dele ".
Deus diz: " Sou seu olho, sua mão, seu coração "... ( Rumi - Masnavi ).



quinta-feira, 18 de agosto de 2011

Não acordem o poeta!

O poeta pode ficar horas olhando a chuva que cai
Para depois admirar as gotas que ficam nas flores...
Pode não perceber que o sinal já está verde,
Pois se esquece do tempo, observando o movimento.
Ah... O poeta... Fica pensando no nada, mas em tudo,
Enquanto os versos fervilham na sua cabeça, fica mudo...
Quem vê esse processo de sono profundo, não entende
Que ali dentro dele, mora tanta coisa, até o mundo.
E dizem: “acorda!”, “por onde andam os seus pensamentos?”
...Se soubessem por onde andam, ficariam cansados,
Nunca mais reclamariam do marasmo, da lentidão,
Pois, não conseguiriam acompanhar os seus passos.
Os seus versos percorrem os caminhos áridos,
As pessoas que cruzam as ruas movimentadas,
O céu, as estrelas, a casa abandonada e a vida...
Seus poemas atravessam o tempo e o espaço.
Ah... O poeta... Ele vê os olhos brilhantes dos enamorados,
Vê o sorriso triste do palhaço, que se esconde no vermelho,
Vê a planta que brota, o pássaro que se exibe no céu
E as injustiças do mundo, até as que ninguém vê.
Então, “por favor”, não critique o poeta, não o acorde,
Ele não pode olhar a vida sem senti-la, ele respira isso,
Não o chame de lento, de desatento, de desligado...
Ele nunca desliga, está sempre ligado nos seus versos!
(Postado por Maria Cristina Gama)


segunda-feira, 15 de agosto de 2011

Coisas de gaveta

Santinho de primeira comunhão,
retrato amarelado de um amigo esquecido,
recorte de jornal, esfarelado,
um poema qualquer, envelhecido.
Uma oração.
A receita de bolo, nunca feita.
O projeto de viagem, arquivado.
O botão desconjugado, perdido.
O desenho de um vestido ultrapassado.
Lá no fundo,
uma imagem de saudade antiga
no sorriso aberto de meus pais.
Um cachinho aloirado, uma chupeta.
Gaveta: histórias de amor de nunca mais.

Flora Figueiredo


quarta-feira, 10 de agosto de 2011

Desapego

"Há um tempo em que é preciso
abandonar as roupas usadas,
que já tem a forma do nosso corpo,
e esquecer os nossos caminhos,
que nos levam
sempre aos mesmos lugares.
É o tempo da travessia:
e, se não ousarmos fazê-la,
teremos ficado, para sempre,
à margem de nós mesmos."
(Fernando Pessoa)







O teu riso

Tira-me o pão, se quiseres,
tira-me o ar, mas não
me tires o teu riso.

Não me tires a rosa,
a lança que desfolhas,
a água que de súbito
brota da tua alegria,
a repentina onda
de prata que em ti nasce.

A minha luta é dura e regresso
com os olhos cansados
às vezes por ver
que a terra não muda,
mas ao entrar teu riso
sobe ao céu a procurar-me
e abre-me todas
as portas da vida.

Meu amor, nos momentos
mais escuros solta
o teu riso e se de súbito
vires que o meu sangue mancha
as pedras da rua,
ri, porque o teu riso
será para as minhas mãos
como uma espada fresca.

À beira do mar, no outono,
teu riso deve erguer
sua cascata de espuma,
e na primavera, amor,
quero teu riso como
a flor que esperava,
a flor azul, a rosa
da minha pátria sonora.

Ri-te da noite,
do dia, da lua,
ri-te das ruas
tortas da ilha,
ri-te deste grosseiro
rapaz que te ama,
mas quando abro
os olhos e os fecho,
quando meus passos vão,
quando voltam meus passos,
nega-me o pão, o ar,
a luz, a primavera,
mas nunca o teu riso,
porque então morreria.

Pablo Neruda



Nua e crua

Gosto de pessoas com sorrisos largos sem travas no maxilar;
pessoas transparentes que demonstram o que sentem.
Gosto da franqueza mesmo que seja bruta;
pode incomodar mas não machuca.
Gosto de pessoas com suavidade nas palavras.
Gosto de pessoas “gente”.
que não simulam nem barganham.
Sinto muito...
não consigo gostar da arbitrariedade!
eu só sei gostar de pessoas que
em lugar do ego ocupe um coração.

(Lúcia Gönczy) 



Só pra dizer "eu te amo"

Atravessaria mares, geleiras e montanhas,para estar ao seu lado. Iria até o infinito e chamaria pelo teu nome, até te encontrar. Só prá dizer: Eu te amo 
Sérgio Poeta



O meu amor é tanto, tanto...


Eu te amo tanto,
tanto, mais tanto,
que por vezes é canto,
que como brisa,
faz-se encanto...

Te amo ao ponto,
que és meu santo
e meu grande amor.
Motivo do meu pranto
e razão da minha dor.

E por noites a fio,
sou ternura que te espera,
doce para os teus lábios...
Sou quimera!

E diante desse amor,
que só cresce,
vivo eu tecendo prece,
para que fique ao meu lado.

É que , eu te amo tanto,
tanto e tanto...
Que para mim não seria
nenhum espanto,
morrer de amor.

ValquiriaCordeiro





 

segunda-feira, 8 de agosto de 2011

Flores para Coimbra



Que mil flores desabrochem. Que mil flores
(outras nenhumas) onde amores fenecem
que mil flores floresçam onde só dores
florescem.


Que mil flores desabrochem. Que mil espadas
(outras nenhumas não)
onde mil flores com espadas são cortadas
que mil espadas floresçam em cada mão.


Que mil espadas floresçam
onde só penas são.
Antes que amores feneçam
que mil flores desabrochem.
E outras nenhumas não.

Manuel Alegre