Um giro ao sol,ciranda poética

sexta-feira, 26 de novembro de 2010

Drumundana






e agora maria?

o amor acabou
a filha casou
o filho mudou
teu homem foi pra vida
que tudo cria
a fantasia
que você sonhou
apagou
à luz do dia

e agora maria?
vai com as outras
vai viver
com a hipocondria



 Alice Ruiz


quinta-feira, 25 de novembro de 2010

OS POEMAS

Os poemas são pássaros que chegam
não se sabe de onde e pousam
no livro que lês.
Quando fechas o livro, eles alçam vôo
como de um alçapão.
Eles não têm pouso
nem porto;
alimentam-se um instante em cada
par de mãos e partem.
E olhas, então, essas tuas mãos vazias,
no maravilhado espanto de saberes
que o alimento deles já estava em ti... 


GÊNESIS

No Princípio era o Caos.
E então, veio a Luz.
A Luz se fez Verbo,
a Palavra Mágica se fez
coisa, corpo, carne.
E Deus criou a mulher,
e o homem a amou.
O céu se cobriu de Orgia,
pariram-se anjos e demônios.
E, por isso e nesse instante
e para sempre, nasceu,
soberana, a Poesia.



Santa Poesia

ave poesia
cheia de graça
o verso é convosco,
bendita sois vós
entre as palavras,
bendito o fruto
do vosso ventre:
poema

santa poesia
mãe das artes
rogai por nós poetas
agora e na hora do agouro

*******************

poema nosso
que estais no céu,
versificada seja
vossa estrofe,
seja feita
vossa vontade,
assim na tela
como no papel

o verso nosso
de cada dia
nos dai hoje,
perdoai as nossas
reticências,
assim como nós
perdoamos
os pontos finais.
não nos deixeis
cair em 'ão',
mas livrai-nos
das interrrogações

amem

by Clauky Boom


quarta-feira, 24 de novembro de 2010

ENTRE PARTIR E FICAR

Entre partir e ficar hesita o dia,
enamorado de sua transparência.

A tarde circular é uma baía:
em seu quieto vai e vem se move o mundo.

Tudo é visível e tudo é ilusório,
tudo está perto e tudo é intocável.

Os papéis, o livro, o vaso, o lápis
repousam à sombra de seus nomes.

Pulsar do tempo que em minha têmpora repete
a mesma e insistente sílaba de sangue.

A luz faz do muro indiferente
Um espectral teatro de reflexos.

No centro de um olho me descubro;
Não me vê, não me vejo em seu olhar.

Dissipa-se o instante. Sem mover-me,
eu permaneço e parto: sou uma pausa.

Octavio Paz

MOVIMENTO

Se tu és a égua de âmbar
eu sou o caminho de sangue
Se tu és o primeiro nevão
eu sou quem acende a fogueira da madrugada
Se tu és a torre da noite
eu sou o cravo ardendo em tua fronte
Se tu és a maré matutina
eu sou o grito do primeiro pássaro
Se tu és a cesta de laranjas
eu sou o punhal de sol
Se tu és o altar de pedra
eu sou a mão sacrílega
Se tu és a terra deitada
eu sou a cana verde
Se tu és o salto do vento
eu sou o fogo oculto
Se tu és a boca da água
eu sou a boca do musgo
Se tu és o bosque das nuvens
eu sou o machado que as corta
Se tu és a cidade profunda
eu sou a chuva da consagração
Se tu és a montanha amarela
eu sou os braços vermelhos do líquen
Se tu és o sol que se levanta
eu sou o caminho de sangue

Octavio Paz
In Salamandra

SEMÂNTICA

Não se enganem comigo:
se digo sul pode ser norte,
chego mas fico ausente,
o triste é também o belo,
procuro o que não se perde
nem se pode encontrar.

Buscar resposta nos livros
é esconder-se entre linhas.
Não creio no que se enxerga,
mas nisso que se disfarça
por mais que se tente olhar:
assim me tem seduzida.

Eis o jogo que eu persigo,
meu jeito de ser feliz,
o desafio que me embala:
sempre que escrevo "morte"
estou falando da vida.

Lya Luft
In Para Não Dizer Adeus

CLANDESTINO

vou falar por enigmas
apagar as pistas visíveis
cair na clandestinidade.
descer de pára-quedas
/camuflado/
numa clareira clandestina
da mata atlântica.

já não me habita mais nenhuma utopia
animal em extinção,
quero praticar poesia
- a menos culpada de todas as ocupações.

já não me habita mais nenhuma utopia.
meu desejo pragmático-radical
é o estabelecimento de uma reserva de ecologia
- quem aqui diz estabelecimento diz escavação -
que arrancará a erva daninha do sentido ao pé-da-letra,
capinará o cansanção dos positivismos e literalismos,
inseminará e disseminará metáforas,
cuidará da polinização cruzada,
cultivará hibridismos bolados pela engenharia genética,
adubará a dosagem adequada de calcário,
utilizará o composto orgânico
excrementado
pelas minhocas fornicadoras cegas
e propagará plantas por alporque
ou por enxertia.

já não me habita mais nenhuma utopia.

sem recorrer
ao carro alegórico:
olhar o que é,
como é, por natureza, indefinido.
quero porque quero o êxtase,
uma réplica reversora da república de Platão
agora expulsando para sempre a não-poesia
da metamorfose do mundo.

já ão me habita mais nenhuma utopia.
bico do beija-flor suga glicose.
no camarão
em flor.

Waly Salomão
In Lábia

terça-feira, 23 de novembro de 2010

Confissão


Continuo escrevendo pra você...

certo que, bem menos.
menos tempo
menos entusiasmo
menos amor
mais cansaço.

Entretanto, conservo-o
vivo e quente na memória
da pele, do cheiro, do tato.

Certo...
Cada vez menos reticências,
carências e síndromes de abstinências-
que ratificam a espera impugnada;
os laços em nós, desatados.

Não sinto mais ausência nem
dor;
Só apuro os fatos, e ...sem querer,
novamente me delato:

Sim, eu ainda te amo!

Lúcia Gönczy

O amor é como uma ponte suspensa

O amor é como uma ponte suspensa: são precisos dois bons apoios para a ponte aguentar.
Mas quem não quer construir pontes nunca chegará à outra margem.
Há quem prefira o abismo do que a entrega e descoberta.

http://oladocultodamarciana.blogspot.com/


segunda-feira, 22 de novembro de 2010

MADRIGAL MELANCÓLICO

O que eu adoro em ti
Não é a tua beleza
A beleza é em nós que existe
A beleza é um conceito
E a beleza é triste
Não é triste em si
Mas pelo que há nela de fragilidade e incerteza

O que eu adoro em ti
Não é a tua inteligência
Não é o teu espírito sutil
Tão ágil e tão luminoso
Ave solta no céu matinal da montanha
Nem é a tua ciência
Do coração dos homens e das coisas.

O que eu adoro em ti
Não é a tua graça musical
Sucessiva e renovada a cada momento
Graça aérea como teu próprio momento
Graça que perturba e que satisfaz

O que eu adoro em ti
Não é a mãe que já perdi
E nem meu pai

O que eu adoro em tua natureza
Não é o profundo instinto matinal
Em teu flanco aberto como uma ferida
Nem a tua pureza. Nem a tua impureza.
O que adoro em ti lastima-me e consola-me:
O que eu adoro em ti é a vida.

Manuel Bandeira
In O Ritmo Dissuluto

A HOMENAGEM

Minha sombra no chão:
a homenagem do sol
à minha solidão.

Lêdo Ivo
In Curral de Peixes

ANIMAL DE LUZ

SOU NESTE sem fim sem solidão
um animal de luz encurralado
por seus erros e pela sua folhagem:
grande é a selva,: aqui meus semelhantes
pululam, retrocedem ou traficam,
enquanto eu me retiro acompanhado
pela escolta que o tempo determina:
ondas de mar, estrelas da noite.

É pouco, é bastante, é escasso e é tudo.
De tanto ver meus olhos outros olhos
e minha boca de tanto ser beijada,
de haver tragado a fumaça
daqueles trens já desaparecidos,
as velhas estações desapiedadas
e o pó das incessantes livrarias,
o homem eu, o mortal, fatigou-se
de olhos, de beijos, de fumo, de caminhos,
e de livros tão mais densos que a terra.

E hoje no fundo do bosque perdido
escuta o rumor do inimigo e foge
não dos outros mas sim de si mesmo,
dessa conversação interminável
do coro que cantava junto a nós
e do significado desta vida.

Por uma vez, porque uma voz, porque uma
sílaba ou o transcurso de um silêncio
ou o som insepulto da onda
me deixam frente à verdade,
e não há nada mais para decifrar,
nada mais para falar: era tudo:
e fecharam-se as portas desta selva,
circula o sol abrindo suas folhagens,
e sobe a lua como uma fruta branca
e o homem se acomoda ao seu destino.

Pablo Neruda
In Jardim de Inverno

domingo, 21 de novembro de 2010

"Oração à Vida"

“Tão certo quanto o amigo ama o amigo,
Também te amo, vida-enigma-.
Mesmo que em ti tenha exultado ou chorado,
Mesmo que me tenhas dado prazer ou dor.

Eu te amo junto com teus pesares,
E mesmo que me devas destruir,
Desprender-me-ei de teus braços
Como o amigo se desprende do peito amigo.

Com toda força te abraço!
Deixa tuas chamas me inflamarem,
Deixa-me ainda no ardor da luta
Sondar mais fundo teu enigma.


Ser! Pensar milênios!
Fecha-me em teus braços:
Se já não tens felicidade a me dar -
Vamos, ainda tens tua dor.”

Lou A.-Salomé 1880
à F. Nietzsche para ser musicado por ele.

Viver Sem Poesia

Viver sem poesia
é funeral à espreita
é dor maior do que a chama da intensidade
que me arde
sempre, por inteira.

Viver sem poesia
é achar um sentido
para o movimento das nuvens
é desmanchar minha loucura
que me aprisiona,
deliciosamente,
por inteira.

Viver sem poesia
é matar minhas paixões
com normopatia
é aniquilar meu não saber,
ambiguidades
fragilidades
que me inquietam
por inteira.

Se sou
sou porque sofro
ao pensar
nas letras a dançar que ainda estão pra serem escritas.
se sou
sou porque sou ardente
por inteira.

Ana Perissé

quinta-feira, 18 de novembro de 2010

Na meia noite de todos os meus medos

Espalho um canto de amor e febre. Efervescência de poro sexuado, de gênese onde deslizam profundas origens, vegetais internos, fibras, frutas, outonos e delicadeza. Um canto de luz, de alma e estrelas onde extravaso escrava, amarrada a grilhões e posso literalmente ser eu mesma, dentro de todos os meus desajustes. Onde bordo historias de distancias impossíveis, indolente, cheia de fios, incandescências e lagartixas, a espicharem-se nas paredes do quarto, cheias de transparências e veias. Onde improviso cores, cheia de arco-íris nos lençóis, de cantos, na meia noite de todos os meus medos. Onde ando só e farta de vínculos, sem resistências. Onde me crescem as mãos e os sonhos, que renovo constantemente visitando carrascos que me incorporam e me açoitam diariamente, planetas, magos e todas as ilusões. Onde deixo, um certo jeito meu, meio quente, suculento, farto e cheio de doçura. Um jeito meio dolorido, meio sofrido,cheio de cílios, de olhos e sentimentos náufragos, todos eles, sem uma falsa moral, sem hipocrisia, sem ares de santa, apenas alguns conhecimentos de origem profunda que me foi passado nas vias da vida, bebendo suores e sangue. Um canto de vida, de morte, de ar, de névoa, de sentimentos que me invadem e se projetam no papel, se enroscam feito um gato que me sobe a cabeça e se espalha, meio esbaforido e mia cheio de pelos, unhas e pernas. Sensações que me movimentam como chuva, como grito, como escândalo, se abrem, se enroscam e deixa quente. Sentimentos vivos de tanta febre, tantas garras e presas. Sentimentos graves, herdado, suado, transposto, aceito! Espalho um certo canto pelo ar... (mara araujo)


A verdade

A verdade

A porta da verdade estava aberta,
Mas só deixava passar
Meia pessoa de cada vez.
Assim não era possível atingir toda a verdade,
Porque a meia pessoa que entrava
Só trazia o perfil de meia verdade,
E a sua segunda metade
Voltava igualmente com meios perfis
E os meios perfis não coincidiam verdade...
Arrebentaram a porta.
Derrubaram a porta,
Chegaram ao lugar luminoso
Onde a verdade esplendia seus fogos.
Era dividida em metades
Diferentes uma da outra.
Chegou-se a discutir qual
a metade mais bela.
Nenhuma das duas era totalmente bela
E carecia optar.
Cada um optou conforme
Seu capricho,
sua ilusão,
sua miopia.

Carlos Drummond de Andrade



quarta-feira, 17 de novembro de 2010

INSPIRAÇÃO

 

                                                                                                                                                               Inspira- te em coisas belas,
                                                                                                                                                               ou naquelas que cabem inspirar- te.
                                                                                                                                                               Inspira- te com o silêncio da tua alma,
                                                                                                                                                               Inspira- te do nada, do vazio;
                                                                                                                                                               mas inspira- te.
                                                                                                                                                               Inspira- te e respira o ar da vida
                                                                                                                                                               que muitas e muitas vezes,
                                                                                                                                                               haverás de sentir o mesmo frescor,
                                                                                                                                                               o mesmo alívio,
                                                                                                                                                               como quando jorras e deixas fluir                 
                                                                                                                                                               o que pede a tua alma.
                                                                                                                                                               Esse é um momento teu,
                                                                                                                                                               eternamente teu.
                                                                                                                                                               Para que possas comunicar
                                                                                                                                                               com almas mais crescidas,
                                                                                                                                                               com almas que se falam,
                                                                                                                                                               sem que tenham o corpo presente.
                                                                                                                                                               Inspira- te e vivifica cada vez mais
                                                                                                                                                               por inspirar- te.
                                                                                                                                                               Esse dom é belo,
                                                                                                                                                               o momento iluminado;
                                                                                                                                                               e também te pertence.

                                                                                                                                                                                                    Lidia Lievore.


Cecília Meireles.


         

            Não faças de ti
            Um sonho a realizar,
            Vai.
            Sem caminho marcado.
            Tu és o de todos os caminhos.
            Sê apenas uma presença.
            Invisível presença silenciosa.
            Todas as coisas esperam a luz,
             Sem dizerem que a esperam.
            Sem saberem que existe,
            Todas as coisas esperarão por ti,
            Sem te falarem,
            Sem lhes falarem.

                              
                           Cecília Meireles.


enviado por

Lidia Lievore

 

terça-feira, 16 de novembro de 2010

Fogo

Sim, sei de onde venho! Insatisfeito com a labareda ardo para me consumir! Aquilo em que toco torna-se luz. Carvão aquilo que abandono. Sou certamente labareda!
(Friedrich Nietzsche)

segunda-feira, 15 de novembro de 2010

Via Láctea

"Ora (direis) ouvir estrelas! Certo
Perdeste o senso"! E eu vos direi, no entanto,
Que, para ouvi-las, muita vez desperto
E abro as janelas, pálido de espanto...

E conversamos toda a noite, enquanto
A via láctea, como um pálio aberto,
Cintila. E, ao vir do sol, saudoso e em pranto,
Inda as procuro pelo céu deserto.

Direis agora! "Tresloucado amigo!
Que conversas com elas? Que sentido
Tem o que dizem, quando estão contigo?"

E eu vos direi: "Amai para entendê-las:
Pois só quem ama pode ter ouvido
Capaz de ouvir e de entender estrelas".


Olavo Bilac

Reza

Tem que haver um espaço pra nós dois
onde caibam nossos amores,
nossos temores,
nossos dilemas.
Tem que haver pra nós uma tema
que fale de flores.
Tem que haver uma canção
de versos sofridos, amargos e doces.
Tem que haver uma oração
que fale de ciúmes, de saudades, de perdão,
que abençoe os beijos
e os desejos retumbantes.
Pra quando declinada ao fim do dia
passa ser a Ave-Maria dos amantes.


Flora Figueiredo


RECADO

Ao vento da noite sussurro
sete segredos; tudo que
tenho por fora tudo que tenho
por dentro, que o vento vá levando
minha sede de amor, pule cerca
pule sebes abra porteiras no mar
derramando meu recado nos quatro
cantos do ar...


Roseana Murray

Vinícius de Morais

"Muitos não compreenderão
Porque suas inteligências vão somente até os processos
E já existem nos processos tantas dificuldades...
Alguns verão e julgarão com a alma
Outros verão e julgarão com a alma que eles não têm
Ouvirão apenas dizer...
Será belo e será ridículo
Haverá quem mude como os ventos
E haverá quem permaneça na pureza dos rochedos
No meio de todos eu ouvirei calado e atento, comovido e risonho
Escutando verdades e mentiras
Mas não dizendo nada
Só a alegria de alguns compreenderem bastará
Porque tudo aconteceu para que eles compreendessem
Que as águas mais turvas contêm ás vezes as pérolas mais belas"

(Vinícius de Morais).




.
.

DE SOBREAVISO

POETA CASE LONTRA MARQUES

Abaixo um dos poemas do livro Movo as mãos queimadas sob a água:
.
(DE SOBREAVISO)
....
invado uma visão inventada,
cuja
instabilidade não prejudica
minha
elaboração,
pois a faço
nascer não do esforço,
mas
do fracasso
da precisão; uma visão
que
atiro ao atrito,
que
lanço à laceração;
uma visão
de que me destituo
para
a manter em constante
conflito,
em
constante
construção,
como
o murmúrio
a que me vinculo
quando
intrometo
o meu
desconhecimento,
a minha
insuficiência
no intervalo
de um tempo
dedicado — apesar de escasso —
à extensão,
tentando ver,
tentando
mastigar o que também
puder se doar,
depois
de penetrar o abandono,
a incompreensão,
o que
também
puder se expor
a um ritmo
quando
muito intuído,
que
nos sobreleva
enquanto
respiramos
apenas
coagidos



domingo, 14 de novembro de 2010

Charles Chaplin






Pensamos demasiadamente






Sentimos muito pouco

Necessitamos mais de humildade

Que de máquinas.

Mais de bondade e ternura

Que de inteligência.

Sem isso,

A vida se tornará violenta e

Tudo se perderá.

sexta-feira, 12 de novembro de 2010

Qual é

 

 

Qual é

Qual é o sabor do amor?
Qual é o som do silêncio?
Qual é o toque do olhar?
Qual é o caminho do horizonte?
Qual é o cheiro do ar?
Qual é o som do adeus?
Qual é o sabor das estrelas?
Qual é a luz da escuridão?
Qual é a vontade do medo?
Qual é o olhar da cegueira?
Qual é o arrepio do calor?
Qual é o chamar do silêncio?
Qual é o molhar do seco?
Qual é o grito do ouvir?
Qual é o andar da montanha?
Qual é o correr do som?
Qual é o sabor da mágoa?
Qual é o grito da paixão?
Qual é o parar do rio?
Qual é a tristeza da alegria?
Qual é o som da saudade?
Qual é o chamar do vento?
Qual é o ferver do gelo?
Qual é o vazio do coração?
Qual é o sentir da música?
Qual é a força do perder?
Qual é o espaço do vazio?
Qual é o passo do universo?
Qual é o grito do abandonar?
Qual é a rendição da morte?
Qual é o sabor do respirar?
Qual é a fala da pele?
Qual é o sorriso da tristeza?
Qual é a felicidade da vida?
Qual é a tinta do branco?
Qual é o segredo do conhecimento?
Qual é a ternura do frio?
Qual é a carícia do bater?
Qual é o grito da mudança?
Qual é a pergunta da resposta?
Qual é a dúvida da certeza?
Qual é o som do desejo?
Qual é o cheiro do prazer?
Qual é a matemática do amor?
Qual é a luz do correr?
Qual é a razão do desconhecido?
Qual é o desenho do regresso?
Qual é o número da vida?
Qual é o toque do teu sentir?
Qual é o som do meu existir?


http://oladocultodamarciana.blogspot.com/

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Aurora

aspiro aurora que conduz a
doces deambulações
pelo mundo dos afectos
em manhãs tardes e suaves entardeceres
até ao ocaso final

matinal é o desejo
mas não a sua natureza intrínseca
pois essa é pertença de todos os tempos
percorrer esse cosmos
com o denodo de estóicos espíritos
todavia abertos
plenos de vida
cheios de si e dos outros
que não temem
muito menos aceitam
os dilapidadores éditos de terceiros
ou de recônditos lugares interiores

tentar o amor entre elementos contrários
arrostando na água amar o fogo
sim ousar o impossível
sim ousar falhar
sim ousar tentar ainda que perecendo na tentativa
lutar contra os quixotescos gigantes
que toldam a existência de papel quiçá
para por fim constatar
que mais não eram do que simples moinhos de vento

existir
no fundo somente viver
assentindo a concessão dos acasos
que compomos na busca do outro
de nós do outro em nós e de nós no outro
então talvez um vetusto lúgubre ocaso
dê lugar a uma novel aurora de veludo.


Rui Amaral Mendes
(Na luz do crepúsculo)

O baú de bandeira – Por Alfredo Lima



O presente poeta, escolhido para leitura é dono de uma vasta obra. A palavra vasta foi aqui empregada não só no sentido quantitativo, mas sobretudo, no que se refere à rica contribuição deixada a nossa cultura.
Aos 18 anos, o poeta obteve um terrível diagnóstico: tuberculose. Era o ano de 1904 e não havia cura para a doença. O então estudante de arquitetura viu-se forçado a abandonar a prancheta e a recolher-se à cama, sob o olhar amoroso e vigilante de sua irmã e enfermeira, Maria Cândida. Nas palavras do autor temos:
Continuei esperando a morte para qualquer momento, vivendo sempre como que provisoriamente. Nos primeiros anos da doença me amargurava muito a idéia de morrer sem ter feito nada: depois a forçosa ociosidade. Se publiquei em 1917 A Cinza das Horas, foi para, de certo modo, iludir o meu sentimento de vazia inutilidade.
Graças à ironia do destino, o nosso poeta estava equivocado. Imagina-se que viver esperando “a indesejada das gentes” não seja lá algo tão agradável. Felizmente, Manuel Bandeira conseguiu transformar a sua biografia em obra, sua vida em arte. O seu primeiro grande ato foi, de certa forma, prolongar os dias aqui na terra produzindo versos que mudaram os rumos da nossa literatura. Quanto aos outros traços que confirmam a genialidade de Bandeira, o leitor só descobrirá ao longo deste estudo.
Após a publicação do primeiro livro, A Cinza das Horas, Manuel Bandeira prosseguiu com a escrita de vários livros até a sua morte, em 1968. Parte dessa extensa produção é a antologia Meus poemas preferidos, que como afirma o título, foi organizada pelo escritor a convite das “Edições Ouro”, no ano de 1966.
O que posso adiantar é que estamos diante de uma obra marcada por uma “angustiante busca pelo significado das coisas, pela reflexão da poesia em si e pela falta de limites para o lirismo”. Vamos abrir o Baú de Bandeira e nele procurar a delícia de poder sentir as coisas mais simples! Boa leitura.

BANDEIRA: O SÃO JOÃO BATISTA DO MODERNISMO

“A obra de Manuel Bandeira engloba criações que vão de um pós-Parnasianismo e um Pós-Simbolismo às experiências concretistas das décadas de 1950 e 1960”. Tendo em vista essas considerações de Cereja, torna-se difícil enquadrar o poeta em apenas um estilo, uma vez que o mesmo tenha atravessado as mais significativas escolas literárias. E como resultado dessa travessia o leitor tem, por exemplo, o mestre do verso livre no Brasil.
A REALIDADE E IMAGEM
O arranha-céu sobe no ar puro pela chuva
E desce refletido na poça de lama do pátio.
Entre a realidade e a imagem, no chão seco que as separa,
Quatro pombas passeiam
NEOLOGISMO
Beijo pouco, falo menos ainda.
Mas invento palavras
Que traduzem a ternura mais funda
E mais cotidiana.
Inventei, por exemplo, o verbo teadorar.
Intransitivo:
Teadoro, Teodora. (p.89)
Os dois poemas, que além de apresentarem versos que não obedecem a nenhuma métrica, ilustram o estilo “batizado” por Manuel Bandeira no país: o Modernismo.
No ano de 1922, morando no Rio, o poeta estava distante do grupo paulista que centralizava os ataques à cultura oficial e propunha mudanças. Mesmo tendo conhecido, um ano antes, Mário de Andrade, um dos maiores expoentes dessa escola, Bandeira preferiu “ficar na miúda”, ausentando-se da Semana de Arte Moderna. Essa falta foi compensada com o envio do famoso poema Os sapos, que, lido por Ronald de Carvalho, tumultuou o Teatro Municipal.
O texto possui o ritmo do coaxar dos tais anfíbios e critica os parnasianos, poetas extremamente formais. A plateia não gostou nada de ver esses elegantes poetas serem comparados a sapos e terem suas técnicas devidamente insultadas no poema, de modo que acompanharam a leitura coaxando, uivando, miando, enfim, foi uma confusão. Segundo os historiadores da literatura, houve um momento que um indivíduo mais exaltado do teatro começou a ganir muito alto. Quando Ronald terminou de declamar, disse: — “Senhores, há um cão na platéia, e ele não está do nosso lado!”
OS SAPOS
(…)
O sapo-tanoeiro,
Parnasiano aguado,
Diz: – “Meu cancioneiro
É bem martelado.
Vede como primo
Em comer os hiatos!
Que arte! E nunca rimo
Os termos cognatos.
(…)
Clame a saparia
Em críticas céticas:
Não há mais poesia,
Mas há artes poéticas …”
Urra o sapo-boi:
— “Meu pai foi rei!” — “Foi…”
— “Não foi!” —“Foi!” —  “Não foi!”
Brada em um assomo
O sapo-tanoeiro:
— A grande arte é como
Lavor de joalheiro.
(…) p.40-42
Nessa mesma linha polêmica, encontra-se o texto “Poética” p.52, em que a voz poética banderiana rejeita o lirismo dos românticos por excesso de sentimentalismo, e o dos parnasianos pelo excesso de artificialidade: “— Não quero mais saber do lirismo que não é libertação.” Esses poemas se tornaram uma espécie de profissão de fé do movimento modernista. Aí sim, é possível a compreensão do título desse tópico. Em virtude do notável diálogo entre produção artística e contexto histórico, Mário de Andrade denominou  Manuel Bandeira de o “São João Batista do Modernismo brasileiro”.
BAÚ ABERTO
No livro Meus Poemas Preferidos são apresentados os temas mais comuns da produção de Manuel Bandeira, marcada pela experiência da doença e do afastamento advindo dela, são, entre outros, o cotidiano, a paixão pela vida, a morte, a solidão, a angústia existencial e a infância, tema que o torna um dos mais expressivos poetas da história da literatura.
1. Uma luz sobre o cotidiano
No Pão de Açúcar
De Cada dia
Dai-nos senhor
A Poesia
De cada dia
Oswald de Andrade
Os versos transcritos desta epígrafe cujo autor completa a tríade maior da primeira fase do Modernismo; Mário de Andrade, Manuel Bandeira e Oswald de Andrade, enaltecem o cotidiano, temática muito explorada na poesia banderiana.
Tanto neste tema quanto nos outros listados na página anterior, o leitor vai se deparar com a simplicidade com que o poeta escreveu seus textos.
POEMA DO BECO
Que importa a paisagem, a Glória, a baía, a linha do horizonte?
— O que eu vejo é o beco. p. 63
O BICHO
Vi ontem um bicho
Na imundície do pátio
Catando comida entre os detritos.
Quando achava alguma coisa,
Não examinava nem cheirava:
Engolia com voracidade.
O bicho não era um cão,
Não era um gato,
Não era um rato.
O bicho, meu Deus, era um homem. p. 90
Poema do Beco é um bom exemplo de texto da primeira geração modernista, isso em virtude da economia das linhas, o emprego do verso livre e é o que chamo de poema-cena.
Nesta mesma esteira, temos O Bicho, que consiste na imagem (cena) do eu lírico diante de um bicho “catando comida entre os detritos”. Além da simplicidade no tratamento dado à fome, percebe-se um olhar transfigurador do poeta, que choca o leitor com o seu “fazer poético”, ao transitar do campo denotativo para o conotativo, apresentando o último verso em tom de assombro: “ O bicho, meu Deus, era um homem.”
Ainda com base nesse olhar transfigurador do poeta, vamos encontrar um eu lírico solitário. Seria mesmo solidão? Não, Bandeira estava muito bem acompanhado. Afinal, ele foi iluminado pela Estrela da vida inteira:
A ESTRELA
Vi uma estrela tão alta,
Vi uma estrela tão fria!
Vi uma estrela luzindo
Na minha vida vazia.
Era uma estrela tão alta!
Era uma estrela tão fria!
Era uma estrela sozinha
Luzindo no fim do dia.
Por que da sua distância
Para a minha companhia
Não baixava aquela estrela?
Por que tão alta luzia?
E ouvi-a na sombra funda
Responder que assim fazia
Para dar uma esperança
Mais triste ao fim do meu dia. p. 75
Não satisfeito com o diálogo entre o eu poético e a estrela, o leitor pode-se deleitar com mais um poema-cena em que a protagonista da vez, se é que assim podemos chamá-la, é a Lua. Esta que recebe um tratamento natural, bastante diferente daquele oferecido pelos poetas das escolas anteriores, e vem com uma leve dose de lirismo.
SATÉLITE
Fim de tarde.
No céu plúmbeo
A Lua baça
Paira
Muito cosmograficamente
Satélite.
Desmetaforizada,
Desmitificada,
Despojada do velho segredo de melancolia,
Não é agora o golfão de cismas,
O astro dos loucos e dos enamorados.
Mas tão-somente
Satélite.
Ah Lua deste fim de tarde,
Demissionária de atribuições românticas,
Sem show para as disponibilidades sentimentais!
Fatigado de mais-valia,
Gosto de ti assim:
Coisa em si,
- Satélite. p.101

2. Infância: criação e fantasia

Eis uma peça muito valiosa no Baú: os poemas que se relacionam à infância de Bandeira. Mirrado, entre a doença e a solidão, o poeta criou, por meio da memória, uma espécie de paraíso perdido, a sua mitologia, que vai servir como uma válvula de escape para as agruras da vida.
os seis aos dez anos, nesses quatro anos de residência no Recife [...] construiu-se a minha mitologia, e digo mitologia porque os seus tipos, um Totônio Rodrigues, uma D. Aninha Viegas, a preta Tomásia, velha cozinheira da casa de meu avô Costa Ribeiro, têm para mim a mesma consistência heróica das personagens e dos poemas homéricos. [...] Quando comparo esses quatro personagens de minha meninice a quaisquer outros anos da minha vida de adulto, fico espantado do vazio destes últimos em cotejo com a densidade daquela quadra distante.
Este comentário de Bandeira, em Itinerário de Pasárgada, vai se confirmar com o poema “Evocação do Recife”p.54, versos que fazem uma descrição da cidade natal do autor no fim do século XIX.  É curiosa a forma como o eu lírico tece essas recordações, chamamentos. Na primeira estrofe, para apresentar a cidade, ele nega todos os adjetivos que já lhe foram atribuídos.
Recife
Não a Veneza americana
Não a Mauritsstad dos armadores das Índias Ocidentais
Não o Recife dos Mascates
Nem mesmo o Recife que aprendi a amar depois
— Recife das revoluções libertárias
Mas o Recife sem história nem literatura
Recife sem mais nada
Recife da minha infância
Nesse mundo fantástico, o autor vai incorporar as brincadeiras da cultura popular, como Coelho sai da toca e Chicote-queimado.  E como personagens desse reino, o leitor vai encontrar alguns personagens da “mitologia bandeiriana”:
Uma pessoa grande dizia:
Fogo em Santo Antônio!
Outra contrariava: São José!
Totônio Rodrigues achava sempre que era São José.
Os homens punham o chapéu saíam fumando
E eu tinha raiva de ser menino porque não podia ir ver o fogo
Ao ajustar um pouquinho a lente, o leitor terá em “Evocação do Recife” diversas técnicas que firmam o poeta nas terras da linguagem modernista.  É o caso da linha a seguir, em que há uma enumeração caótica, num único verso, dos vários objetos arrastados pela água, que imita formalmente o caos promovido pelas cheias, que arrastam tudo de uma só vez:
Cheia! As cheias! Barro boi morto árvores destroços redemoinho sumiu
Já quase no final da composição, mais uma estrofe que valoriza a espontaneidade da língua falada, proposta pelos modernistas. Trata-se de um ponto de vista que marca a evolução no tratamento dado à questão da língua.
Língua certa do povo
Porque ele é que fala gostoso o português do Brasil
Ao passo que nós
O que fazemos
É macaquear
A sintaxe lusíada
Recife…
Rua da União…
A casa de meu avô…
Nunca pensei que ela acabasse!
Tudo lá parecia impregnado de eternidade
Recife…
Meu avô morto.
Recife morto, Recife bom, Recife brasileiro
como a casa de meu avô.
Nos últimos versos do poema, percebe-se uma certa tristeza do eu lírico em relação ao Recife da sua infância, pois com a morte do seu avô — um dos personagens centrais da mitologia da infância — ocorre também a morte da cidade que vivia na memória do poeta.
Há um outro poema-cena muito importante que não poderia ficar de fora dessa temática, “Porquinho-da-índia”:
Quando eu tinha seis anos
Ganhei um porquinho-da-índia.
Que dor de coração me dava
Porque o bichinho só queria estar debaixo do fogão!
Levava ele prá sala
Pra os lugares mais bonitos mais limpinhos
Ele não gostava:
Queria era estar debaixo do fogão.
Não fazia caso nenhum das minhas ternurinhas . . .
— O meu porquinho-da-índia foi minha primeira namorada. p.53
A pesquisadora Clenir Bellezi de Oliveira, no ensaio “Moderno, lírico, genial”, assinala que
a simplicidade dos textos escritos por Bandeira não deve em nenhuma hipótese ser confundida com coisa rasa. Chegar a esse grau de depuração exige muita competência literária. Em “Porquinho-da-índia” temos um poemeto narrativo, onde o enunciador conta um episódio da infância que parece corriqueiro, mas que lhe deixou uma matriz emocional profunda. As coisas, os brinquedos e, claro, os bichos. O fascínio do menino pelo porquinho-da-índia devia aterrorizar o pobre animal. A diligência em querer agradá-lo, levando-o aos lugares que, aos seus olhos de criança, seriam os “mais bonitos, mais limpinhos”, certamente incomodava o bichinho de natureza arredia. Ele queria mesmo era “estar debaixo do fogão”, lugar quente que o mantinha longe das mãozinhas amorosas do dono. Daí a sentença do enunciador: “ – O meu porquinho-da-índia foi minha primeira namorada”. Isso é verdade: na medida que involuntariamente o porquinho-da-índia recusa as “ternurinhas” do menino. Ele o seduz, para depois o abandonar. E, como sabemos, quanto mais o objeto do desejo negaceia, mais se intensifica o desejo. Tem-se aí a primeira lição de amor apreendida pelo enunciador.  p.24-25

2.1 “Lá a existência é uma aventura”

Isso mesmo. O título do tópico é um verso dos mais conhecidos poemas de Manuel Bandeira, Vou-me embora pra Pasárgada, p. 58. Vale lembrar que esse texto foi musicado por Gilberto Gil em 1986. Cereja assinala que Pasárgada é o mundo da liberdade, do permitido, da realização plena dos desejos, trata-se de lugar fictício inventado para dar vazão aos sonhos e às fantasias do poeta cuja realização foi cruelmente negada pela vida. Esse mundo imaginário ganha vida na explicação do seu criador:
“Vou-me embora pra Pasárgada” foi o poema de mais longa gestação em toda minha obra. Vi pela primeira vez esse nome de Pasárgada quando tinha os meus dezesseis anos e foi num autor grego. [...] Esse nome de Pasárgada, que significa “campo dos persas”, suscitou na minha imaginação uma paisagem fabulosa, um país de delícias [...] Mais de vinte anos depois, quando eu morava só na minha casa da Rua do Curvelo, num momento de findo desânimo, da mais aguda sensação de tudo o que eu não tinha feito na minha vida por motivo da doença, saltou-me de súbito do subconsciente esse grito estapafúrdio: “Vou-me embora pra Pasárgada!” Senti na redondilha a primeira célula de um poema, e tentei realizá-lo, mas fracassei. [...] Alguns anos depois, em idênticas circunstâncias de desalento e tédio, me ocorreu os mesmo desabafo de evasão da “vida besta”. Desta vez o poema saiu sem esforço, como se já estivesse pronto dentro de mim.
A criação desse outro mundo pode ser lida como o desejo do eu lírico de fugir da realidade concreta e experimentar outro tipo de realidade, idealizada, “Vou-me embora pra Pasárgada/ Aqui eu não sou feliz”. Lá, onde a existência é uma aventura, ele possui como vantagem estar acima de todas as leis, “Em Pasárgada tem tudo/ É outra civilização/Tem um processo seguro/ De impedir a concepção”; não há proibições, regras de lógica e de moral.
- Lá sou amigo do rei -
Terei a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora pra Pasárgada
3. “Meu verso é sangue”
A esta altura de nossa busca, das páginas (re)viradas do admirável Baú, do olhar transfigurador do poeta para o cotidiano, das brincadeiras na infância, resta-nos dizer que o grande tema em Manuel Bandeira é o da morte: a Indesejada das gentes, o fim de todos os milagres — como registrou o autor.
A maneira como o escritor tratou esse aspecto muito nos impressiona. Bandeira deixou aos leitores a cena de um jogo, talvez a imagem de uma excepcional luta, em que ele driblou o adversário, escrevendo os mais enaltecedores versos. Dessa luta temos a mais clássica poesia da primeira fase do Modernismo.
No intuito de deixar mais claro esse tema, é interessante fazer uma leitura atenta do poema “Desencanto”, texto que abre o livro Meus poemas preferidos e curiosamente a coletânea “Melhores Poemas”, da editora Global:
Eu faço versos como quem chora
De desalento… de desencanto…
Fecha o meu livro, se por agora
Não tens motivo nenhum de pranto.
Meu verso é sangue. Volúpia ardente…
Tristeza esparsa… remorso vão…
Dói-me nas veias. Amargo e quente,
Cai, gota a gota, do coração.
E nestes versos de angústia rouca
Assim dos lábios a vida corre,
Deixando um acre sabor na boca.
- Eu faço versos como quem morre. p. 35
A professora Ivete Walty apresenta no livro “Textos sobre textos” uma importante leitura desse poema no que diz respeito à metalinguagem:
O poeta, no ato mesmo de fazer o poema, expõe seu conceito de poesia, explicitando sua função catártica, ou seja, aquela de meio de vazão dos sentimentos, de alívio mesmo de sofrimentos. Fundem-se, em seus versos, a idéia de poema e vida e, paradoxalmente, a de representação da morte. Registre-se que, no caso desse texto, o poeta não se distingue do eu lírico, pois ele se declara o autor.
Assim, esse eu lírico/autor busca no poema transcrito a adesão do leitor visando a compreensão do código, aqui visto no sentido mais específico de concepção do poema. É como se o poeta quisesse fazer um pacto com seu leitor, dando-lhe uma chave do que entende por poesia naquele momento. p.16-17
A vida é um milagre.
Cada flor,
com sua forma, sua cor, seu aroma,
cada flor é um milagre.
Cada pássaro,
com sua plumagem, seu vôo, seu canto,
cada pássaro é um milagre.
O espaço, infinito,
o espaço é um milagre.
O tempo, infinito,
o tempo é um milagre.
A memória é um milagre.
A consciência é um milagre.
Tudo é milagre.
Tudo, menos a morte.
— Bendita a morte, que é o fim de todos os milagres. p. 105.
No momento em que referi à imagem da luta, tinha em mente o poema acima, “Preparação para a Morte”, nele, o poeta, como afirma Clenir Bellezi de Oliveira, não deixava nada escapar e de tudo arrancava um lirismo comovedor sem jamais cair na pieguice. “A morte parece ter lhe dilatado o olhar para o permanente milagre da vida”.
Companheiros de viagem, confesso que depois de mexer nesses escritos, ajustar as lentes para algumas cenas da vida de Manuel Bandeira, vou ter que deixar o Baú, pois outras obras aguardam uma visita. Mas, por favor, deixe o Baú aberto para que o maior número de leitores possa conhecer a vida e a obra desse inestimável escritor. E a forma que encontrei para registrar a despedida foi deixando mais um poema para as ininterruptas descobertas no Baú de Bandeira.
Testamento
O que não tenho e desejo
É que melhor me enriquece.
Tive uns dinheiros – perdi-os…
Tive amores – esqueci-os.
Mas no maior desespero
Rezei: ganhei essa prece.
Vi terras da minha terra.
Pro outras terras andei.
Mas o que ficou marcado
No meu olhar fatigado,
Foram terras que inventei.
Gosto muito de crianças:
Não tive um filho de meu.
Um filho!… Não foi de jeito…
Mas trago dentro do peito
Meu filho que não nasceu.
Criou-me, desde eu menino,
Para arquiteto meu pai.
Foi-se-me um dia a saúde…
Fiz-me arquiteto? Não pude!
Sou poeta menor, perdoai!
Não faço versos de guerra.
Não faço porque não sei.
Mas num torpedo – suicida
Darei de bom grado a vida
Na luta em que não lutei!
REFEREÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BANDEIRA, Manuel. Meus poemas preferidos. Rio de Janeiro: Ediouro, 2005.
CEREJA, William Roberto. Português: linguagens: volume III. 4.ed. ver. E ampl. – São Paulo: Atual, 2004.
OLIVEIRA, Clenir Bellezi de. Moderno, lírico, genial. In: Discutindo Literatura. Ano 2 . nº 7.
POMPEU, Renato. A magia de Pasárgada. In: Revista Bravo. Jan. 2007. Ano 10. nº 113.
WALTY, Ivete L. e CURY, Maria Zilda. Textos sobre textos: um estudo da metalinguagem. Belo Horizonte: Dimensão, 1998.p.16-17.
Sites
http://www.jornaldepoesia.jor.br/manuelbandeira.html
http://www.fabiorocha.com.br/bandeira.htm

fonte:

http://www.literaturaemfoco.com/

Os passos do Anjo



 
 
A pequena lua despenca do vermelho.
Quebra-se em mil cores a lágrima que se vê.
Entardece agora.

Já é madrugada: uma gota de orvalho sem nome surge na neblina da manhã.

De que música florida chega-me esse perfume em cascata?

No perfume das cerejeiras, o gosto solitário do caminho no amanhã.

No telhado ventos memorizam o instante. Nunca esqueço os pingos do silêncio.

Mesmo o som do cristal é triste sob a água da manhã.

A luz do dia perfura rochas. Chove brisas na primavera.

Na chuva a paisagem desfolha o pessegueiro.
Escorre na sombra do vento o córrego.
Amanhece água outra vez.


  


http://leropoema.blogspot.com/

Deus livra-me dos normais.




Normais levantam, reclamam, se vestem,
se irritam, se xingam e cumprimentam sempre da mesma forma.
Dão as mesmas respostas para os mesmos problemas.
Tem o mesmo humor no serviço e em casa.
Petrificam sorrisos no rosto.
Dão presentes sempre nas mesmas datas.
Enfim, tem uma vida estafante e previsível.
Fonte para vazios e enfados.
Normais não surpreendem, não encantam.
  Augusto Cury
        

fonte:  
http://deslizespoeticos.blogspot.com/
                                                                                                                       

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

A chama me chama.


Eu não quero luz nem dia. Quero essa vela do agora. Essa que faz um círculo no teto. Que ilumina os olhares. Só ela. Nada distante, nada. Tudo perto de mim, da noite. Tudo perto e quente, o que é mais importante. A sombra me faz pensar. As músicas... Ah as músicas. Sempre elas. Risadas, fumaças de incenso, tudo.
Mergulhei tanto hoje. Foi, mergulhei nos meus sonhos, enquanto estava com a cabeça debaixo da água da piscina. Dois mergulhos profundos. Lembrei que não posso... Tentei acreditar no que sentia e agora percebo que não posso, não pode. O que pode? – passa um vento com cheiro de nada agora- . Tudo lá do alto, lá onde tinha uma nuvem que chovia. Não consegui distinguir a chuva de fora e a chuva de dentro. Lembrei de novo que... apenas lembrei. Voltei pra vela, para aquela noite, aqueles vinhos e aquelas pessoas. Sinto a música “Maravida” de Gonzaguina por inteiro. É, senhores, tenho sentido o inteiro das coisas mesmo. De um sorriso, de um desdém, de um carinho, olhar ... tanta coisa. Tenho preferido os bichos. A sinceridade deles e mais nada. Ah, claro... e aquela farofa de soja! Estou sendo “presa” pelo estômago. Sim, pode soltar –aquela- gargalhada-gostosa, foi o que acabei de fazer. Depois desses mergulhos, nada como um bom canto de qualquer lugar para ficar. Eu amo um canto. Como disse uma vez em um texto meu, “ ...no canto com os cantos dos pássaros”. Fico impressionada como posso recriar tudo do mesmo jeitinho que foi. Acabo de fechar os olhos e ouço “relicário” de novo. É um de novo tão doce. Um timbre tão macio, tão carinhoso... outras horas, “firino” e delicado .
O que acontece agora, é que não tenho idéia mais de nada sobre algumas vontades, por conta dos mergulhos e das chuvas. É tudo sentimento, ao mesmo tempo saudade. Eu sei que ta tudo misturado aqui. Foi à música. Essa música que escuto agora. “ Pois É” de Los Hermanos. Vou dormir ao som dela e deixando bem claro que o claro da luz, só o amarelado das velas.
- sem conversas, segredos nem tempo. Guardo tudo junto com o meu silêncio e sumo.




http://contemeestacontido.blogspot.com/

terça-feira, 9 de novembro de 2010

JORGE TEILLIER (Chile, 1935 – 1996)

JORGE TEILLIER
(Chile, 1935 – 1996)


“Si alguna vez mi voz deja de escucharse
piensen que el bosque habla por mí
con su lenguaje de raíces”



Otoño secreto


Cuando las amadas palabras cotidianas
pierden su sentido
y no se puede nombrar ni el pan,
ni el agua, ni la ventana,
y la tristeza ha sido un anillo perdido bajo nieve,
y el recuerdo una falsa esperanza de mendigo,
y ha sido falso todo diálogo que no sea
con nuestra desolada imagen,
aún se miran las destrozadas estampas
en el libro del hermano menor,
es bueno saludar los platos y el mantel puestos sobre la mesa,
y ver que en el viejo armario conservan su alegría
el licor de guindas que preparó la abuela
y las manzanas puestas a guardar.
Cuando la forma de los árboles
ya no es sino el leve recuerdo de su forma,
una mentira inventada por la turbia
memoria del otoño,
y los días tienen la confusión
del desván a donde nadie sube
y la cruel blancura de la eternidad
hace que la luz huya de sí misma,
algo nos recuerda la verdad
que amamos antes de conocer:
las ramas se quiebran levemente,
el palomar se llena de aleteos,
el granero sueña otra vez con el sol,
encendemos para la fiesta
los pálidos candelabros del salón polvoriento
y el silencio nos revela el secreto
que no queríamos escuchar.




Un jinete nocturno en el paisaje

Siento correr por las venas del campo
Un jinete nocturno enmascarado.
La noche. También galopan en caballos robados
Los cuatreros arreando los vacunos.
Surgen los trenes. Las reces dormidas se levantan
Allá en los grandes galpones de madera.
Una sombra va saltando los cercos.
Esta fue una mañana campesina:
Relinchos, validos, vacas de pródigas ubres,
Las ordeñadoras, curvadas con el peso de los baldes.
Es la noche de nuevo. Mi abuelo se levanta
Rehecha su manera antigua,
Y observa, como ayer, al trigo.
Debe andar mi abuelo por los campos recién abiertos
Hablando con los pinos, espantando gorriones.
El campo está solo, tembloroso. Y él lo mira.
El vino es un joven bonachón y alegre.
Sucede que quiere iluminar la noche
y baja a las aldeas, envuelto en una manta.
La mañana tiene olor a pan amasado.
La ropa recién lavada dice “adiós” en los patios.
Pero es de noche. Un fantasma penetra en la leñera.
Una casa se quiere esconder del cielo.
Un campesino mira hacia arriba:
Más allá de las nubes viene el granizo,
Bandolero blanco, asaltante de los huertos.
Y es la noche.
Va a penetrar al pueblo
Un jinete nocturno enmascarado.




Tarjeta postal


Me decías que no me enamorara de tu hermana menor,
aquella que aún temía a los duendes
que salen de los rincones a robar nueces.
Y yo te contestaba
que en el cielo podía leer tu nombre
escrito por los pájaros
y que las nubes flotaban como los gansos
en el patio dominical de tu casa
que me hablaba con su lenguaje de gorriones.
Este domingo me veo de nuevo en el salón
mirando revistas viejas y daguerrotipos
mientras tú tocas valses en la pianola.
Alguien me ha dicho en secreto que la primavera vuelve.
La primavera vuelve pero tú no vuelves.
Tu hermana ya no cree en los duendes.
Tú no sabrías escribir mi nombre
en los vidrios cubiertos de escarcha,
y yo sólo puedo contar mis recuerdos
como un mendigo sus monedas en el frío del otoño.




En la secreta casa de la noche
Cuando ella y yo nos ocultamos
en la secreta casa de la noche
a la hora en que los pescadores furtivos
reparan sus redes tras los matorrales,
aunque todas las estrellas cayeran
yo no tendría ningún deseo que pedirles.
Y no importa que el viento olvide mi nombre
y pase dando gritos burlones
como un campesino ebrio que vuelve de la feria,
porque ella y yo estamos ocultos
en la secreta casa de la noche.
Ella pasea por mi cuarto
como la sombra desnuda
de los manzanos en el muro,
y su cuerpo se enciende como un árbol de pascua
para una fiesta de ángeles perdidos.
El temporal del último tren
pasa remeciendo las casas de madera.
Las madres cierran todas las puertas
y los pescadores furtivos van a repletar sus redes
mientras ella y yo nos ocultamos
en la secreta casa de la noche.




Un desconocido silba en el bosque

Un desconocido silba en el bosque.
Los patios se llenan de niebla.
El padre lee un cuento de hadas
y el hermano muerto escucha tras la puerta.

Se apaga en la ventana
la bujía que nos señalaba el camino.
No hallábamos la hora de volver a casa,
pero nos detenemos sin saber donde ir
cuando un desconocido silba en el bosque.

Detrás de nuestros párpados surge el invierno
trayendo una nieve que no es de este mundo
y que borra nuestras huellas y las huellas del sol
cuando un desconocido silba en el bosque.

Debíamos decir que ya no nos esperen,
pero hemos cambiado de lenguaje
y nadie podrá comprender a los que oímos
a un desconocido silbar en el bosque.




Para hablar con los muertos


Para hablar con los muertos
hay que elegir palabras
que ellos reconozcan tan fácilmente
como sus manos
reconocían el pelaje de sus perros en la oscuridad.
Palabras claras y tranquilas
como el agua del torrente domesticada en la copa
o las sillas ordenadas por la madre
después que se han ido los invitados.
Palabras que la noche acoja
como los pantanos a los fuegos fatuos.
Para hablar con los muertos
hay que saber esperar:
ellos son miedosos
como los primeros pasos de un niño.
Pero si tenemos paciencia
un día nos responderán
con una hoja de álamo atrapada por un espejo roto,
con una llama de súbito reanimada en la chimenea
con un regreso oscuro de pájaros
frente a la mirada de una muchacha
que aguarda inmóvil en un umbral.




Fin de mundo


El día del fin del mundo
será limpio y ordenado
como el cuaderno del mejor alumno.
El borracho del pueblo dormirá en una zanja,
el tren expreso pasará
sin detenerse en la estación,
y la banda del Regimiento
ensayará infinitamente
la marcha que toca hace veinte años en la plaza.
Sólo que algunos niños
dejarán sus volantines enredados
en los alambres telefónicos,
para volver llorando a sus casas
sin saber qué decir a sus madres
y yo grabaré mis iniciales
en la corteza de un tilo,
pensando que eso no sirve para nada.
Los evangélicos saldrán a las esquinas
a cantar sus himnos de costumbre.
La anciana loca paseará con su quitasol.
Y yo diré: “El mundo no puede terminar
porque las palomas y los gorriones
siguen peleando por la avena en el patio”.




Cuando todos se vayan


Cuando todos se vayan a otros planetas
yo quedaré en la ciudad abandonada
bebiendo un último vaso de cerveza,
y luego volveré al pueblo donde siempre regreso
como el borracho a la taberna
y el niño a cabalgar
en el balancín roto.
Y en el pueblo no tendré nada que hacer,
sino echarme luciérnagas a los bolsillos
o caminar a orillas de rieles oxidados
o sentarme en el roído mostrador de un almacén
para hablar con antiguos compañeros de escuela.

Como una araña que recorre
los mismos hilos de su red
caminaré sin prisa por las calles
invadidas de malezas
mirando los palomares
que se vienen abajo,
hasta llegar a mi casa
donde me encerraré a escuchar
discos de un cantante de 1930
sin cuidarme jamás de mirar
los caminos infinitos
trazados por los cohetes en el espacio.




Nadia


Nadia teme a los gatos y vive frente a una iglesia.
Nadia resuelve puzzles y va a mirar los trenes.
Nadia lleva el nombre de una muchacha muerta
El año que filmaron “Grandes Ilusiones”.

Nadia es silenciosa como un cuaderno de croquis.
Nadia creció en el pueblo como el árbol más simple
Y con ella me entiendo sin decir palabra
Porque los árboles se entienden tocando sus raíces.

Nadia no tiene edad porque ella es la nube
Que siempre vuelve a mirarse en el río.
‘Nadia vivirá en mí sin que yo me dé cuenta
Como un guijarro blanco brilla al fondo de un pozo.




La llave


Dale la llave al otoño.
Háblale del río mudo en cuyo fondo
yace la sombra de los puentes de madera
desaparecidos hace muchos años.
No me has contado ninguno de tus secretos.
Pero tu mano es la llave que abre la puerta
del molino en ruinas donde duerme mi vida
entre polvo y más polvo,
y espectros de inviernos,
y los jinetes enlutados del viento
que huyen tras robar campanas
en las pobres aldeas.
Pero mis días serán nubes
para viajar por la primavera de tu cielo.
Saldremos en silencio,
sin despertar al tiempo.
Te diré que podremos ser felices.




Sentados frente al fuego que envejece


Sentados frente al fuego que envejece
miro su rostro sin decir palabra.
Miro el jarro de greda donde aún queda vino,
miro nuestras sombras movidas por las llamas.
Ésta es la misma estación que descubrimos juntos,
a pesar de su rostro frente al fuego,
y de nuestras sombras movidas por la llamas.
Quizás si yo pudiera encontrar una palabra.
Ésta es la misma estación que descubrimos juntos:
aún cae una gotera, brilla el cerezo tras la lluvia.
Pero nuestras sombras movidas por las llamas
viven más que nosotros.
Sí, ésta es la misma estación que descubrimos juntos:
-Yo llenaba esas manos de cerezas, esas
manos llenaban mi vaso de vino-.
Ella mira el fuego que envejece.




Edad de oro


Un día u otro
todos seremos felices.
Yo estaré libre
de mi sombra y mi nombre.
El que tuvo temor
escuchará junto a los suyos
los pasos de su madre,
el rostro de la amada será siempre joven
al reflejo de la luz antigua en la ventana,
y el padre hallará en la despensa la linterna
para buscar en el patio
la navaja extraviada.

No sabremos
si la caja de música
suena durante horas o un minuto;
tú hallarás –sin sorpresa—
el atlas sobre el cual soñaste con extraños países,
tendrás en tus manos
un pez venido del río de tu pueblo,
y Ella alzará sus párpados
y será de nuevo pura y grave
como las piedras lavadas por la lluvia.

Todos nos reuniremos
bajo la solemne y aburrida mirada
de personas que nunca han existido,
y nos saludaremos sonriendo apenas
pues todavía creeremos estar vivos.




Daría todo el oro del mundo


Daría todo el oro del mundo
por sentir de nuevo en mi camisa
las frías monedas de la lluvia.
Por oír rodar el aro de alambre
en que un niño descalzo
lleva el sol a un puente.
Por ver aparecer
caballos y cometas
en los sitios vacíos de mi juventud.
Por oler otra vez
los buenos hijos de la harina
que oculta bajo su delantal la mesa.
Para gustar
la leche del alba
que va llenando los pozos olvidados.
Daría no sé cuánto
por descansar en la tierra
con las frías monedas de plata de la lluvia
cerrándome los ojos.




No fue el helado viento


No fue el helado viento
quien marchitó las ramas.
Quien marchitó las ramas fui yo
que les conté mis sueños.
Conozco los senderos de hojas holladas por las brujas
que vienen con husos de lana
y sé donde relumbran los pies de las hadas
en la pálida espuma.
Conozco el país dormido
donde vuelan en círculo las garzas
donde vuelan graznando
sin librarse de sus cadenas de plata.
Por allí erran un padre y una madre
ciegos y sordos a cuanto no sea
el graznido de las garzas.
Errarán hasta el fin de los tiempos.
Ya lo sé. Y lo saben también las garzas.
No fue el helado viento
quien marchitó las ramas.
Quien marchitó las ramas
fui yo, que les conté mis sueños.





Carta a un cura rural
(Paráfrasis de René-Guy Cadou)


Querido amigo, sin duda está usted en un pueblo
encerrado por los barrotes de la lluvia
invitando a cenar a inquietantes personajes
como Apollinaire, Cendrars o Braulio Arenas.
El jardín parroquial no ha perdido su encanto
ni el huerto su frescor.
Siempre se huele a retamos,
siempre se oye el silbido de un tren.
Mientras yo le escribo
creo que usted mira la casa del ahorcado
y sus viejos libros reposan
hasta que lleguen a leerlos sus vecinos.
(Dios mío, déjame admirar a este cura rural
él sabe más que yo de los misterios que nos acompañan
y lo que escribe en verso en su blanca habitación
no es sino un susurro tuyo que yo amaría recoger)
Querido amigo, permítame pues que me una
al huérfano, al caballo golpeado, a sus abejas
y que me sea posible oír sus cantos
en el momento justo del Juicio Final.




Cuento sobre una rama de mirto


Había una vez una muchacha
que amaba dormir en el lecho de un río.
Y sin temor paseaba por el bosque
porque llevaba en la mano
una jaula con un grillo guardián.
Para esperarla yo me convertía
en la casa de madera de sus antepasados
alzada a orillas de un brumoso lago.
Las puertas y las ventanas siempre estaban abiertas
pero sólo nos visitaba su primo el Porquerizo
que nos traía de regalo
perezosos gatos
que a veces abrían sus ojos
para que viéramos pasar por sus pupilas
cortejos de bodas campesinas.
El sacerdote había muerto
y todo ramo de mirto se marchitaba.
Teníamos tres hijas
descalzas y silenciosas como la belladona.
Todas las mañanas recogían helechos
y nos hablaron sólo para decirnos
que un jinete las llevaría
a ciudades cuyos nombres nunca conoceríamos.
Pero nos revelaron el conjuro
con el cual las abejas
sabrían que éramos sus amos
y el molino
nos daría trigo
sin permiso del viento.
Nosotros esperamos a nuestros hijos
crueles y fascinantes
como halcones en el puño del cazador.




Días de ocio en la ciudad que fue

Nadie me entiende sino el Gato Pedro
Le daré una botas para que llegue a la Ciudad que Fue
Y deje de dormir frente a la chimenea
Que en el Molino encienden en pleno verano
En el Sur Profundo tendrá que cazar ratones
Y vivir con colores propios
Mientras yo voy al cementerio
Del brazo de la hija del capitán del Puerto
Donde hace cuarenta años que no pasa ninguna nave
El tontito del pueblo me pregunta si yo soy poeta
Y yo le recito “Asteroides” de Pedro Antonio González
Todos creen que yo lo escribí
Y firmo autógrafos para los hijos de los parroquianos
Ya no hay barcos
Ya no hay trenes
Los diarios de la Capital llegan al día siguiente de su aparición
Le regalé al Cura Párroco
“La Mente Drogada. Cómo Librarse de las Dependencias”
De los doctores Hudgson y Miller
Mientras un niño echa anilina a la pila del agua bendita
Que Nuestro Señor me libre del trabajo
Sólo quiero que se abran para mí las puertas de marfil del ocio
Y yo quiero que esto no sea un poema
Sino una página en blanco.




Retrato de mi padre, militante comunista

En las tardes de invierno
cuando un sol equivocado busca a tientas
los aromos de primaveras perdidas
va mi padre en su Dodge 30
por los caminos ripiados de la Frontera
hacia aldeas que parecen guijarros o perdices echadas.
O llega a través de barriales
a las reducciones de sus amigos mapuches
cuyas tierras se achican día a día,
para hablarles del tiempo en que la tierra
se multiplicará como los panes y los peces
y será de verdad para todos.
Desde hace treinta años
grita “Viva la Reforma Agraria”
o canta “La Internacional”
con su voz desafinada
en planicies barridas por el puelche,
en sindicatos o locales clandestinos,
rodeado de campesinos y obreros,
maestros primarios y estudiantes,
apenas un puñado de semillas
para que crezcan los árboles de mundos nuevos.
Honrado como una manta de Castilla
lo recuerdo defendiendo al Partido y a la Revolución
sin esperar ninguna recompensa
así como Eddie Polo -su héroe de infancia-
luchaba por Perla White.
Porque su esperanza ha sido hermosa
como ciruelos florecidos para siempre
a orillas de un camino,
pido que llegue a vivir en el tiempo
que siempre ha esperado,
cuando las calles cambien de nombre
y se llamen Luis Emilio Recabarren o Elías Lafferte
(a quien conoció una lluviosa mañana de 1931 en Temuco,
cuando al Partido sólo entraban los héroes).
Que pueda cuidar siempre
los patos y las gallinas,
y vea crecer los manzanos
que ha destinado a sus nietos.
Que siga por muchos años
cantando la Marsellesa el 14 de julio
en homenaje a sus padres que llegaron de Burdeos.
Que sus días lleguen a ser tranquilos
como una laguna cuando no hay viento,
y se pueda reunir siempre con sus amigos
de cuyas bromas se ríe más que nadie,
a jugar tejo, y comer asado al palo
en el silencio interminable de los campos.
En las tardes de invierno
cuando un sol convaleciente
se asoma entre el humo de la ciudad
veo a mi padre que va por los caminos ripiados de la Frontera
a hablar de la Revolución y el paraíso sobre la tierra
en pueblos que parecen guijarros o perdices echadas.




El poeta es de este mundo


Poeta de nombre claro como un guijarro en medio de la corriente
reunías palabras que eran pedernales
de donde nace un fuego que no es olvidado.
René-Guy Cadou, amigo del tonelero, el cartero, el aduanero y
            el contrabandista,
vivías en una aldea de seiscientos habitantes.
Allí eras profesor rural,
el peso del olor del jardín vecino sofocaba la sala de clases
como a la sala de clases donde tu padre había sido maestro.
Te gustaba hablar con la gente de cara parecida a ollas de greda.
caminar descalzo,
ver jugar a las cartas en la taberna.
En la noche a la luz de un fuego de espino
abrías un libro mientras Helena cosía
(“Helena como una gota de rocío en tu vaso”).
Tenías un poeta preferido para cada estación:
en otoño era Verlaine, la primavera te traía todas las rosas
            de Ronsard,
el invierno llegaba con el chirriar del carruaje del Grand Meaulnes
y la estación violenta
el ruido de espadas entrechocándose en una posada de
            Alejandro Dumas.
Tú nunca estabas solo,
te iluminaba el recuerdo de tu padre volviendo de caza en
            el invierno
Y mientras tus amigos iban al Café,
a la Brasserie Lipp o al Deux Magots,
tú subías a tu cuarto
y te enfrentabas al Rostro radiante.
En la proa de tu barco
te asomabas a ver los caminos de tu país de hadas y pantanos,
caminos trazados como las líneas de un cuaderno de copia.
Tus palabras llegaban
como pájaros que saben que siempre hay una ventana abierta
            al fin del mundo.
Y los poemas se encendían como girasoles
nacidos de tu corazón profundo y secreto,
rescatados de la nostalgia,
la única realidad.
Tú sabías que la poesía debe ser usual como el cielo
            que nos desborda
,
que no significa nada si no permite a los hombres acercarse
            y conocerse.
La poesía debe ser una moneda cotidiana
y debe estar sobre todas las mesas
como el canto de la jarra de vino que ilumina los caminos
            del domingo.
Sabías que las ciudades son accidentes que no prevalecerán frente
            a los árboles,
que la poesía no se pregona en las plazas ni se va a vender a
            los mercados a la moda,
que no se escribe con saliva, con bencina, con muecas,
ni el pobre humor de los que quieren llamar la atención
con bromas de payasos pretenciosos
y que de nada sirven
los grandes discursos tartamudos de los que no tienen nada
            que decir.
La poesía
es un respirar en paz
para que los demás respiren,
un poema es un pan fresco,
un cesto de mimbre.
Un poema
debe ser leído por amigos desconocidos
en trenes que siempre se atrasan,
o bajo los castaños de las plazas aldeanas.
Pocos saben aquí lo que es un poema,
pocos han puesto su cara al viento en medio de un trigal;
pocos saben lo que es un poeta
y cómo debe morir un poeta.
Tú moriste en un cuarto en donde se congregaba toda
            la primavera
mirando un cesto con manzanas.
“He visto morir a un príncipe”
dijo uno de tus amigos.
Y este Primero de Noviembre
cuando me rodean los muertos que siempre están conmigo
pienso en tu serena y ruda fe
que se puede comprender
como a una pequeña iglesia azul de pueblo
donde hay un párroco que no pide sino compartir su pan.
Tú hablabas con tu Dios
como al pobre hijo de un carpintero,
pues también sabías que se crucifica todos los días a un poeta
(Jesús tenía treinta y tres años,
Jean Arthur también era Cristo
crucificado a los treinta y siete).
Pero a ti no te importaba que te escupieran la cara o te olvidaran
porque como tú lo decías, nadie puede impedir a un pájaro que
cante en la más alta cima,
y el poeta derribado
es sólo el árbol rojo que señala el comienzo del bosque.




Islas de luz flotan sobre el pasto

“Debo caminar entre los álamos o recorrer
la orilla de un río en que la copa de los árboles
se unen como amantes en el agua”. Caminamos
a la luz de las llamas
la intimidad del cuerpo de una persona.
Y si corrijo lo escrito, Neville,
la muchacha pensará en Bernard interpretando el papel de escritor,
Bernard piensa en su biógrafo (lo que es verdad).
“Bernard, el hombre que llevaba una libreta en el bolsillo
para escribir notas, frases sobre la luna”.
“Llama al camarero. Paga la cuenta.
Debemos irnos.
Deber. Debo. Detesto esa palabra”.
Empecé a leer aburrido ese libro
y no pude dejar de pensar en ti.
Pero digo: ahora Rodha hubiese escrito
“Islas de luz flotan sobre el pasto”.
Era en la Quebrada del Pobre, Cerro de Valle Hermoso.
Era Virginia Woolf devorando ríos con su mirada azul.
Un amor recién venido
me hace cerrar las páginas del libro
para escribirte estas pobres líneas.
Desoladas y llenas de amor como las heridas
                     que uno inflinge a los mejores amigos.
Y las olas se romperán para ti en mares
                     donde nunca has estado.
“Hay que llamar al garzón. Pagar la cuenta.
Debemos irnos. Deber. No sé cuánto debo”.
                     Odio esa palabra.
Dejo en la mesa “Las olas” entregadas al desprecio
                     o a la indiferencia.
Y camino hacia donde me espera lo ajeno
con ruidos de dominó y familias endeudadas
que salen a esperar autos recién comprados
y oigo lejanas campanas de iglesias de ciudad.
Un campesino me confunde con un maestro primario
y me lleva hacia el pueblo conversando sobre
la sequía, el precio de los limones y las paltas.
Pienso que como Bernard también tengo mi biógrafo.
Un muchacho de “La Unión Chica” que espera mi muerte
                       para escribir un Best-Sellers.
Los tordos vuelan hacia las higueras
y las gaviotas “se arrastran, se arrastran, se arrastran”.
Mañana espero ver de nuevo “Islas de luz flotan
                         sobre el pasto”
como el niño esperaba la matinée del domingo.




Bajo un viejo techo

Esta noche duermo bajo un viejo techo,
los ratones corren sobre él, como hace mucho tiempo,
y el niño que hay en mí renace en mi sueño,
aspira de nuevo el olor de los muebles de roble,
y mira lleno de miedo hacia la ventana,
pues sabe que ninguna estrella resucita.
Esa noche oí caer las nueces desde el nogal,
escuché los consejos del reloj de péndulo,
supe que el viento vuelca una copa del cielo,
que las sombras se extienden
y la tierra las bebe sin amarlas,
pero el árbol de mi sueño sólo daba hojas verdes
que maduraban en la mañana con el canto del gallo.
Esta noche duermo bajo un viejo techo,
los ratones corren sobre él, como hace mucho tiempo,
pero sé que no hay mañanas y no hay cantos de gallos,
abro los ojos, para no ver reseco el árbol de mis sueños,
y bajo él, la muerte que me tiende la mano.




Andenes
 
Te gusta llegar a la estación
cuando el reloj de pared tictaquea,
tictaquea en la oficina del jefe-estación.
Cuando la tarde cierra sus párpados
de viajera fatigada
y los rieles ya se pierden
bajo el hollín de la oscuridad.
Te gusta quedarte en la estación desierta
cuando no puedes abolir la memoria,
como las nubes de vapor
los contornos de las locomotoras,
y te gusta ver pasar el viento
que silba como un vagabundo
aburrido de caminar sobre los rieles.
Tictaqueo del reloj. Ves de nuevo
los pueblos cuyos nombres nunca aprendiste,
el pueblo donde querías llegar
como el niño el día de su cumpleaños
y los viajes de vuelta de vacaciones
cuando eras -para los parientes que te esperaban-
sólo un alumno fracasado con olor a cerveza.
Tictaqueo del reloj. El jefe-estación
juega un solitario. El reloj sigue diciendo
que la noche es el único tren
que puede llegar a este pueblo,
y a ti te gusta estar inmóvil escuchándolo
mientras el hollín de la oscuridad
hace desaparecer los durmientes de la vía.





Blue
Veré nuevos rostros
Veré nuevos días
Seré olvidado
Tendré recuerdos
Veré salir el sol cuando sale el sol
Veré caer la lluvia cuando llueve
Me pasearé sin asunto
De un lado a otro
Aburriré a medio mundo
Contando la misma historia
Me sentaré a escribir una carta
Que no me interesa enviar
O a mirar a los niños
En los parques de juego.
Siempre llegaré al mismo puente
A mirar el mismo río
Iré a ver películas tontas
Abriré los brazos para abrazar el vacío
Tomaré vino sí me ofrecen vino
Tomaré agua si me ofrecen agua
Y me engañaré diciendo:
“Vendrán nuevos rostros
Vendrán nuevos días”.




A un viejo púgil


Revistas color sepia, programas de matches estelares,
el par de guantes firmados por el Presidente
cuando ganó el Campeonato
colgados junto al retrato de la Difunta
lo hacen buscar la gloria del Álbum amarillento
y mientras hierve el agua en el anafe
va recordando la cara del público y sus rivales
a quienes el tiempo les ha contado diez.
La tarde cuelga frente a su ventana
como una raída y sucia bata de combate,
y él vuelve a bailotear en el ring,
siente ovaciones en la tarde muerta.
No crean que está solo
mientras prepara el café
y hace guantes frente al espejo
que le muestra su nariz rota y sus orejas de coliflor.
Todas las tardes regresan sus admiradores
que en la estación se empujan para llevarlo en hombros
a la vuelta de su gira triunfal
y lo dejan en la primavera del césped de pez—castilla
donde —como le prometió a su madre—
sueña que ha esquivado —sin despeinarse— los golpes del olvido.





Un hombre solo en una casa sola


Un hombre solo en una casa sola
No tiene deseos de encender el fuego
No tiene deseos de dormir o estar despierto
Un hombre solo en una casa enferma.

No tiene deseos de encender el fuego
Y no quiere oír más la palabra Futuro
El vaso de vino se ha marchitado como un magnolio
Y a él no le importa estar dormido o despierto.

La escarcha ha empañado las ventanas
Pero a él sólo le importa mirar la apagada chimenea
Sólo le gustaría tener una copa que le contara una vieja historia
A ese hombre solo en una casa sola.

Una historia como las que oía en su casa natal
Historias que no recuerda como no recuerda que aún está vivo
Ve sólo una copa vacía y una magnolia marchita
Un hombre solo en una casa enferma.




Hoy soy un miembro del club de los corazones solitarios


Hoy soy un miembro del Club de los Corazones Solitarios.
En la clínica espero, aburrido, el desayuno,
Mientras mi compañero de mesa mira el muro recién blanqueado
y comenta, riendo, una película de gangsters.
Nunca te envié ni siquiera una postal, y no sé por qué me acuerdo de ti.
Debes estarle dando desayuno a tus hijos
¿Cuántos son? ¿Se parece alguno a mí?
Debes haberte casado con un profesor primario o un jefe de Correos.
Vas a la huerta y hablas con tu madre
sobre tu padre y sus amigos muertos
que hoy deben estar en el cielo jugando brisca rematada,
tras dejar como herencia casas a medio morir saltando.
Yo, antes de ir al Liceo, te hablaría bien del peor alumno del curso
y del partido de fútbol que ayer ganó el “Águilas del Barrio Norte”
Yo no sabía que iba a viajar bajo tantos cielos agonizantes,
y que en ningún país hallaría a alguien que compartiera el silencio.
Yo no sabía que iba a cumplir cincuenta años sin nadie
y por eso te veo mientras espero el desayuno.
Sonreías en el puente cuando te decía que no moriríamos en Nápoles
y que en el Sena te obligaría a subir a un bateau—mouche.
Tú vuelves a hacer hablar a la cocina a leña
y tus días pasan como si no pasaran:
Son el tropel de bueyes que tu hermano lleva a la Feria
y yo sigo escribiendo versos tontos que debería echar al fuego.
Hoy soy un miembro del Club de los Corazones Solitarios.




Pequeña confesión
A Sergei Esennin

Sí, es cierto, gasté mis codos en todos los mesones.
Me amaron las doncellas y preferí a las putas.
Tal vez nunca debiera haber dejado
El país de techos de zinc y cercos de madera.
En medio del camino de la vida
Vago por las afueras del pueblo
Y ni siquiera aquí se oyen las carretas
Cuya música he amado desde niño.
Desperté con ganas de hacer un testamento
-ese deseo que le viene a todo el mundo-
pero preferí mirar una pistola
la única amiga que no nos abandona.
Todo lo que se diga de mí es verdadero
Y la verdad es que no me importa mucho.
Me importa soñar con caminos de barro
Y gastar mis codos en todos los mesones.
“Es mejor morir de vino que de tedio”
Sin pensar que pueda haber nuevas cosechas.
Da lo mismo que las amadas vayan de mano en mano
Cuando se gastan los codos en los mesones.
Tal vez nunca debí salir del pueblo
Donde cualquiera puede ser mi amigo.
Donde crecen mis iniciales grabadas
En el árbol de la tumba de mi hermana.
El aire de la mañana es siempre nuevo
Y lo saludo como un viejo conocido,
Pero aunque sea un boxeador golpeado
Voy a dar mis últimas peleas.
Y con el orgullo de siempre
Digo que las amadas pueden ir de mano en mano
Pues siempre fue mío el primer vino que ofrecieron
Y yo gasto mis codos en todos los mesones.
Como de costumbre volveré a la ciudad
Escuchando un perdido rechinar de carretas
Y soñaré techos de zinc y cercos de madera
Mientras gasto mis codos en todos los mesones.




Despedida

…el caso no ofrece
ningún adorno para la diadema de las Musas.
                                                     Ezra Pound
Me despido de mi mano
que pudo mostrar el paso del rayo
o la quietud de las piedras
bajo las nieves de antaño.
Para que vuelvan a ser bosques y arenas
me despido del papel blanco y de la tinta azul
de donde surgían ríos perezosos,
cerdos en las calles, molinos vacíos.
Me despido de los amigos
en quienes más he confiado:
los conejos y las polillas,
las nubes harapientas del verano,
mi sombra que solía hablarme en voz baja.
Me despido de las virtudes y de las gracias del planeta:
los fracasados, las cajas de música,
los murciélagos que al atardecer se deshojan
de los bosques de casas de madera.
Me despido de los amigos silenciosos
a los que sólo les importa saber
dónde se puede beber algo de vino
y para los cuales todos los días
no son sino un pretexto
para entonar canciones pasadas de moda.
Me despido de una muchacha
que sin preguntarme si la amaba o no la amaba
camino conmigo y se acostó conmigo
cualquiera tarde de esas en que las calles se llenan
de humaredas de hojas quemándose en las acequias.
Me despido de una muchacha
cuya cara suelo ver en sueños
iluminada por la triste mirada de trenes
que parten bajo la lluvia.
Me despido de la memoria
y me despido de la nostalgia
-la sal y el agua
de mis días sin objeto-
y me despido de estos poemas:
palabras, palabras -un poco de aire
movido por los labios- palabras
para ocultar quizás lo único verdadero:
que respiramos y dejamos de respirar.


Datos vitales
Jorge Teillier, poeta chileno, nació en Lautaro (Chile) el 24 de junio de 1935 (el mismo día y año de la muerte de Carlos Gardel) y murió en Viña del Mar el 22 de abril de 1996. Estudió Pedagogía en Historia y Geografía en la Universidad de Chile, ejerció la docencia en el Liceo de Lautaro y fue director de las revistas Orfeo y Boletín de la Universidad de Chile. Recibió una serie de premios, entre los que destacan el concurso de poesía “Gabriela Mistral” (1962), el Premio Estimulo CRAV (1963) y el Premio Eduardo Anguita (1993), concedido por la Editorial Universitaria al poeta vivo más importante de Chile que no hubiese conseguido el Premio Nacional. Sus influencias poéticas van desde el modernismo hispanoamericano y el creacionismo de Vicente Huidobro hasta la poesía universal de Rainer Maria Rilke. Sin embargo, se lo vincula más directamente con los poetas Friedrich Hölderlin, Georg Trakl y Sergéi Yesenin, ya que tanto ellos como él manifestaron en su escritura una profunda relación con la aldea y con el mito. Los últimos años de su vida los pasó en La Ligua, en el sector denominado El Molino de Ingenio. Murió a la edad de 60 años en el Hospital Gustavo Fricke de Viña del Mar. Sus restos mortales descansan en el cementerio de La Ligua. Algunos de sus poemarios son Para ángeles y gorriones, El cielo cae con las hojas, El árbol de la memoria, Los trenes de la noche y otros poemas, Poemas del País de Nunca Jamás, Poemas secretos, Crónica del forastero, Muertes y maravillas, Para un pueblo fantasma, La Isla del Tesoro, Cartas para reinas de otras primaveras, Los dominios perdidos, El molino y la higuera, Hotel Nube, En el mudo corazón del bosque, Lo soñé o fue verdad.

fonte:
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