Um giro ao sol,ciranda poética

sexta-feira, 29 de março de 2013

Sacerdotisa

Amada Sacerdotisa,

Todos me perguntam quem é a Sacerdotisa. Se você existe.

Eu sei quem é você, eu sei que você existe, que o Amor existe, mas isso não é suficiente.

Talvez você não confie que exista, e levará eu e o nosso amor a desaparecer.

Você sempre quis amar. Sempre quis um amor sobrenatural e único. Agora que chegou, será que aguenta?

Não terá como voltar para suas dores, aos ossos das velhas queixas.

Não terá como retornar aos casos pequenos e confortáveis.

O problema do amor não é encontrá-lo, é merecê-lo.

Tem gente que prefere o arrependimento ao amor, porque o arrependimento é manso.

Tem gente que prefere não ser descoberto pelo amor a mudar por ele.

Sacerdotisa, Sacerdotisa. O que adianta a sabedoria sem a coragem da loucura?

A coragem é solteira. Sempre solteira. Eu quero alguém que case sua coragem com a minha. Estou cansado de sentir coragem sozinho. Estou cansado daqueles que pedem calma para apenas ter tempo de se defender da vida.

Apaixonar-se é quando a rua é invadida de súbito por cinquenta cavalos.

Não tem como olhar cinquenta cavalos tomando a rua e fingir que é normal.

Não é normal, nada mais pode ser normal.

O sonho muda, o pesadelo muda, os olhos mudam.

Os cavalos arrebentam as avenidas das veias.

O amor ofende. O verdadeiro amor insulta o nosso passado.

O amor dá pânico. O verdadeiro amor apavora e desejamos fugir.

Mas quem ama abraça tremendo, beija tremendo, corre somente com a respiração.

Terá medo do amor, mas não de mim. O amor é um medo a ser dividido.

Vou dormir. Só me acorde com um beijo.

Beijo do teu Louco (Fabrício Carpinejar)

terça-feira, 24 de janeiro de 2012

Na Ilha Por Vezes Habitada

Na ilha por vezes habitada do que somos, há noites,
manhãs e madrugadas em que não precisamos de
morrer.
Então sabemos tudo do que foi e será.
O mundo aparece explicado definitivamente e entra
em nós uma grande serenidade, e dizem-se as
palavras que a significam.
Levantamos um punhado de terra e apertamo-la nas
mãos.
Com doçura.
Aí se contém toda a verdade suportável: o contorno, a
vontade e os limites.
Podemos então dizer que somos livres, com a paz e o
sorriso de quem se reconhece e viajou à roda do
mundo infatigável, porque mordeu a alma até aos
ossos dela.
Libertemos devagar a terra onde acontecem milagres
como a água, a pedra e a raiz.
Cada um de nós é por enquanto a vida.
Isso nos baste.


José Saramago
In ‘Provavelmente Alegria’ (1.985)




 

quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

Desejo

Desejo primeiro que você ame,
E que amando, também seja amado.
E que se não for, seja breve em esquecer.
E que esquecendo, não guarde mágoa.
Desejo, pois, que não seja assim,
Mas se for, saiba ser sem desesperar.

Desejo também que tenha amigos,
Que mesmo maus e inconseqüentes,
Sejam corajosos e fiéis,
E que pelo menos num deles
Você possa confiar sem duvidar.

E porque a vida é assim,
Desejo ainda que você tenha inimigos.
Nem muitos, nem poucos,
Mas na medida exata para que, algumas vezes,
Você se interpele a respeito
De suas próprias certezas.
E que entre eles, haja pelo menos um que seja justo,
Para que você não se sinta demasiado seguro.

Desejo depois que você seja útil,
Mas não insubstituível.
E que nos maus momentos,
Quando não restar mais nada,
Essa utilidade seja suficiente para manter você de pé.

Desejo ainda que você seja tolerante,
Não com os que erram pouco, porque isso é fácil,
Mas com os que erram muito e irremediavelmente,
E que fazendo bom uso dessa tolerância,
Você sirva de exemplo aos outros.

Desejo que você, sendo jovem,
Não amadureça depressa demais,
E que sendo maduro, não insista em rejuvenescer
E que sendo velho, não se dedique ao desespero.
Porque cada idade tem o seu prazer e a sua dor e
É preciso deixar que eles escorram por entre nós.

Desejo por sinal que você seja triste,
Não o ano todo, mas apenas um dia.
Mas que nesse dia descubra
Que o riso diário é bom,
O riso habitual é insosso e o riso constante é insano.

Desejo que você descubra ,
Com o máximo de urgência,
Acima e a respeito de tudo, que existem oprimidos,
Injustiçados e infelizes, e que estão à sua volta.

Desejo ainda que você afague um gato,
Alimente um cuco e ouça o joão-de-barro
Erguer triunfante o seu canto matinal
Porque, assim, você se sentirá bem por nada.

Desejo também que você plante uma semente,
Por mais minúscula que seja,
E acompanhe o seu crescimento,
Para que você saiba de quantas
Muitas vidas é feita uma árvore.

Desejo, outrossim, que você tenha dinheiro,
Porque é preciso ser prático.
E que pelo menos uma vez por ano
Coloque um pouco dele
Na sua frente e diga "Isso é meu",
Só para que fique bem claro quem é o dono de quem.

Desejo também que nenhum de seus afetos morra,
Por ele e por você,
Mas que se morrer, você possa chorar
Sem se lamentar e sofrer sem se culpar.

Desejo por fim que você sendo homem,
Tenha uma boa mulher,
E que sendo mulher,
Tenha um bom homem
E que se amem hoje, amanhã e nos dias seguintes,
E quando estiverem exaustos e sorridentes,
Ainda haja amor para recomeçar.

E se tudo isso acontecer,
Não tenho mais nada a te desejar.


Victor Hugo

sexta-feira, 30 de setembro de 2011

Librianos,filhos da primavera,arautos do amor.

"Love is touch, touch is love
Love is reaching, reaching love
Love is asking to be loved

Love is you...
You and me
Love is knowing
we can be

Love is free, free is love
Love is living, living love
Love is needing to be loved"   Lennon

*em homenagem a todos librianos,filhos da primavera,arautos do amor.
 
                                                           Jonh and Yoko

quinta-feira, 29 de setembro de 2011

UM OUTRO POEMA DE AMOR



No fundo, as relações entre mim e ti
cabem na palma da mão:
onde o teu corpo se esconde e
de onde,
quando sopro por entre os dedos,
foge como fumo
um pequeno pássaro,
ou um simples segredo
que guardávamos para a noite. 
NUNO JÚDICE, in O MOVIMENTO DO MUNDO, ( Quetzal, 1997)


As palavras de Sophia

Pois a poesia é a minha explicação com o universo, a minha convivência com as coisas, a minha participação no real, o meu encontro com as vozes e as imagens (...) É esta relação com o universo que define o poema como poema, como obra de criação poética. (...) Se um poeta diz “obscuro”, “amplo”, “barco”, “pedra”, é porque estas palavras nomeiam a sua visão do mundo, a sua ligação com a coisa. Não foram as palavras escolhidas esteticamente pela sua beleza, foram escolhidas pela sua necessidade, pelo seu poder poético de estabelecer uma aliança (...) E no quadro sensível do poema vejo por onde vou, reconheço o meu caminho, o meu reino, a minha vida.
In Arte Poética – II

Sophia de Mello Breyner Andresen

 

 

 

quarta-feira, 28 de setembro de 2011

Da tristeza,esperança;da vida um passo de dança.

Danço com as palavras, com as mãos, com os olhos
Danço sozinha no meio das gentes
Danço nua, vestida de azul, ou de negro e até de vermelho já me cobri.
Danço a rir e a chorar
Danço a sonhar
Até quando amo, eu danço.

Vivi sempre a dançar, mesmo parada no meu canto
Dançarei sempre, mesmo que a música se cale
Ensaiei passos diferentes para acordes vários
Em alguns, tropecei, até caí
Mas sempre a dançar, nunca desisti
E retomava os passos novos que aprendi
Porque a dança é vida e quando eu parar
É porque morri!

Se é para ti que eu danço?
Danço para mim!
Mas esta noite, sim, a minha dança foi para ti!

(Poema de MT in Vivências)
 
 

GUARDAR

O ato poético de Antonio Cícero no poema "Guardar"
Guardar uma coisa não é escondê-la ou trancá-la.
Em cofre não se guarda coisa alguma.
Em cofre perde-se a coisa à vista.
Guardar uma coisa é olhá-la, fitá-la, mirá-la por
admirá-la, isto é, iluminá-la ou ser por ela iluminado.
Guardar uma coisa é vigiá-la, isto é, fazer vigília por
ela, isto é, velar por ela, isto é, estar acordado por ela,
isto é, estar por ela ou ser por ela.
Por isso, melhor se guarda o vôo de um pássaro
Do que de um pássaro sem vôos.
Por isso se escreve, por isso se diz, por isso se publica,
por isso se declara e declama um poema:
Para guardá-lo.
 
 
 
 

Quem sou eu

E eis que depois de uma tarde de "quem sou eu"
e de acordar à uma hora da madrugada
ainda em desespero
- eis que às três horas da madrugada acordei
e encontrei-me.
Fui ao encontro de mim.
Calma, alegre, plenitude sem fulminação.
Simplesmente eu sou eu.
E você é você.
É vasto, vai durar.
O que te escrevo é um "isto".
Não vai parar: continua.
Olha para mim e me ama.
Não: tu olhas para ti e te amas.
É o que está certo.
O que te escrevo continua
e estou enfeitiçada.

(Clarice Lispector)
 
 
 

terça-feira, 27 de setembro de 2011

Amor e Abismos






Sem garantias, fator de risco. Sempre. Assim é o Amor. Mergulhar ladeira abaixo e subir aos céus. Vertigem da verticalidade (não é um pleonasmo, mas uma hipérbole), de profundis e ascenção, sem precedentes. Via de regra, não há escapatória. Não se vislumbra o fundo, onde dará o azul do céu? Não sei, você não sabe. Nietzsche atentou para a necessidade de asas quando se ama o abismo. Olhe longamente para o Amor e ele olhará para você. Entregue-se. Arrisque. Absurde-se.  Acredite. 

É o que nos diz O Louco, tonto de amor. Ah, tá, isso aí é paixão, não é amor. Por gentileza deixemos de lado frases prontas, aquilo que se repete por reflexo condicionado. Não há garantias sobre sentimentos, nunca. 

Há vertigens horizontais e paradoxos. O Amor é um velho moço. Um moço velho. Uma falha constante na Matrix, um lance de dados, match point. Acontece. Aconteceu comigo com você e com o vizinho. E é único. Muitas vezes único. Várias tampas para panelas variadas ou desvairadas. Com a miragem da flor azul no fundo à superfície d' água.

Inevitável que se pense no abismo como um espelho já que ele olha para você. Experimente gritar e ele lhe responderá: Eco! Eco!  Ergo sum. Logo creio que existo quando me vejo em você. Quando não me vejo ou não gosto da imagem, passo batom, mudo a cor dos cabelos, refaço os rastros e o retrato. Caminho pelas planícies lembrando das montanhas até que me acostumo ao horizonte. Ah, que beleza há na superficialidade! 

Aprender a superfície. Dissipar neblinas. Alimentar-se do sol cru do inverno. Caminhar lentamente pelos prados noturnos com a lanterna acesa, pirilampos portáteis. O moço velho. O velho moço. Livre do Amor. Livre de Si.

Tão inevitável como o Amor é caminhar do 0 ao 9.


Zoe de Camaris

http://zoedecamaris.blogspot.com/2011/07/amor-e-abismos.html